Aflore a sua vontade de viver - Watashitachi no Shiawase na Jikan


Trago-lhe, hoje, um mangá direto da minha lista de leituras marcantes, que fiz questão de recomendá-lo para você. A obra possui um número mínimo de capítulos, porém todos com um encanto e particularidade que te envolverá de uma forma única. Para os que já estão cansados de contos repetitivos, principalmente da demografia shoujo, irão se surpreender com esse romance que aborda diversas questões morais, misturado a um excelente conflito psicológico.


Sinopse.


A história parte da perspectiva da ex-pianista Juri, que sofre de depressão após um trauma aumentado ainda mais com o descaso materno. Ela já não possui expectativas na vida, tanto no âmbito social quanto profissional, sendo o motivo das tentativas de suicídio. A jovem possui uma tia de meia idade chamada Monica, que sempre se preocupa com seu futuro incerto. A senhora é uma irmã da igreja que faz trabalho voluntário nas penitenciárias, tentando converter e ajudar presos condenados à morte, antes do lamentoso dia chegar. Com o intuito de auxiliar Juri, Monica resolve convencê-la a participar das visitas no presídio, para conhecer um prisioneiro específico, que se recusa a interagir com todos ao redor e já tentou se suicidar várias vezes em seus surtos de desespero, como sua sobrinha. A partir desse encontro, Juri e Yuu, o prisioneiro, trocam conversas, pensamentos, experiências desagradáveis e palavras reconfortantes, que mesmo em situações diferentes, entendem-se completamente. Aos poucos, o sentimento amistoso, crescente e verdadeiro, junto a uma nova vontade de viver, envolve os dois em seus sagrados momentos de quinta-feira, às 10 horas da manhã.


Juri Mutou.


Uma mulher com um passado sofrido e cheio de perturbações, entre eles o mal relacionamento com a própria mãe, que, após seu nascimento, culpou Juri por interferir em sua vida profissional. A protagonista, por essas razões, vive constantemente com um ar de insatisfação e sem um sentido existencial. Perde a fé em seu próprio futuro excepcional como pianista e em qualquer divindade existente ou indivíduo ao seu redor. Mesmo assim, sua tia ainda insiste em continuar ao seu lado, motivada por piedade, compaixão, arrependimento e seu dever na igreja, persiste em auxiliar a sobrinha dando-lhe um pouco de anseio em viver. Logo após Juri conhecer o prisioneiro, cresce uma vontade entusiasmante de seguir em frente. Na minha concepção, é uma personagem que desenvolveu bem os seus obstáculos, tanto em seu papel funcional no relacionamento com o protagonista masculino quanto na representação de uma jovem no auge da idade com um abalo psicólogo por abandono e falta de orientação. Carismática, confusa e problemática, no entanto, possuindo um bom coração que só necessita de um entendimento maior e um sentimento mútuo da parte de alguém. Sua personalidade tem uma forte sintonia com a de Yuu, mantendo assim, a apresentação dos seus traços.


Yuu, 3987.


Um homem da mesma faixa etária de Juri, acusado do assassinato de três pessoas e aguardando na "fila de morte" do presídio por um tempo indeterminado. Todo o seu passado entristecedor é repassado no mangá como uma forma de compreender as atitudes do personagem e até mesmo perdoá-lo por seus atos abomináveis — dependendo da personalidade de cada leitor, claro. Sua desgastante trajetória até o presídio é mostrada em seu comportamento hostil e desesperado, junto a um acumulado sentimento desenfreado de arrependimento por não ter feito algo realmente "bom" ou aceitável em sua vida, as faltas de oportunidades ou os erros ocorridos pelo acaso. Na definição do personagem, a depressão é examinada de uma forma extrema e angustiante, já que a vida é colocada como risco a todo momento na situação de Yuu, com sua cobrança interna, medo constante e ausência de apoio. O ambiente ao seu redor é passado em um clima pesado, só sendo possível perceber uma harmonia no rapaz quando ele finalmente consegue o que sempre quis: um envolvimento recíproco de amor, sem caos, perseguição ou pobreza.


Traços.


Suas ilustrações não possuem um grande destaque, são modestas e poderiam ser mais detalhadas, sendo que, em algumas cenas, todo o seu fundo é branco, mesmo que os lugares do mangá sejam limitados (a maioria das passagens ocorrem no presídio). Porém, seus personagens são desenhados de forma genuína, limpa e com expressões emotivas bem transmitidas, passando com exatidão o realismo da obra, mesmo que o traço se torne inconstante. Vale ressaltar que, nas artes coloridas, a artista utilizou uma excelente coloração aquarela, com toques minuciosos, que passam leveza e beleza visual com sua tonificação solene, adequando-se perfeitamente à natureza do mangá.


Gêneros.


Sua temática adulta, que envolve assuntos pesados e os desenvolve em torno de uma trama bem elaborada, denota as dificuldades dos personagens depressivos para impactar. Sua saturação de atributos dos gêneros citados anteriormente e sofisticação são capazes de fornecer uma experiência literária significante com destaque entre os demais de sua demografia. O drama é presente em todo instante, basicamente para criar uma simpatia melhor com o contexto do mangá, não chegando a um nível exagerado. Sumomo desfruta em polemizar no enredo, com o intuito de deixar sua marca nesse quesito. O "slice of life" traz diversos temas ocorrentes no cotidiano e frustrações diárias, com sentimentos humanos e doenças patológicas que aproximam com o anfêmero do grupo-alvo. Tanto o romance quanto a arte musical são feitos com esmero, não necessitando de muito foco para criar um interesse no público. Os principais se relacionam com simples movimentos, toques, olhares ou diálogos afetuosos que já são o suficiente para encantar toda a atmosfera ao redor.


Depressão.


A abordagem de tal distúrbio psicológico é apresentada de feitio transparente no mangá, com seus personagens variando nos sintomas físicos e comportamentais. Quanto aos casos de Juri e Yuu, os dois mostram o limite da depressão, ansiedade e ataques de pânico no decorrer da narrativa, levando-os as constantes ideias de autocídio, como dito nos primeiros capítulos. Todas essas condições trazem ao legente um entendimento elevado, chegando ao ponto de apreciar profundamente os heróis por suas caracterizações palpáveis, especialmente, aos que se identificam ou já passaram pelo sentimento de prostração. No ângulo dos protagonistas, o transtorno é interpretado com visões distintas, tanto o enfrentamento quanto a superação, que Yumeka explora do melhor método possível, levando uma percepção mais séria para o público. O abalo emocional dessa temática na obra não é subestimado, sendo considerado até seu ponto forte pela inserção de um assunto ridicularizado pelos que menosprezam o peso abalador da enfermidade.


Suicídio.


Entre os japoneses, existe um considerável percentual de suicídio. Alguns consideram a prática honrável por uma antiga tradição, uma cultura aceitável ou incapacidade de lidar com frustrações. Há motivos, como a pressão financeira/estudantil, isolamento social, entre outros, que incutem essa intolerância em sua existência para a maioria. O comportamento familiar influencia no tratamento do indivíduo que passa por tal complicação, como é possível perceber no caso de Juri, que não recebe apoio da parentela, com exceção de Monica. O modo em que o suicídio é visto como algo habitual no Japão entristece, de certa forma. A obra da autora é afável e suave, passando diversas mensagens da negligência com o ato, colocando questões complexas da consciência humana. A maneira em que o casal reage, ainda mais com a sede de vida após o encontro, realça a vontade de continuar lutando e encarando as circunstâncias. Esses fatores fazem repensar o desleixo da população acostumada com o feito.


Pena de morte.


O mangá ressalta uma questão moral questionada pela humanidade há séculos, principalmente no Japão, onde a pena de morte é vista com normalidade entre os demais cidadãos. Os japoneses têm um sistema penitenciário rígido, apoiado pela nação, que acredita ajudar a reduzir as taxas de criminalidade. Assim, os métodos severos são submetidos aos prisioneiros até incuti-los o sentimento de vergonha por seus atos cruéis. As execuções não possuem uma data específica, em que o condenado vive isolado do mundo exterior, como é o caso de Yuu. A fama do sistema governamental é atroz, utilizando meios de tortura, entre outros artifícios, para conseguir confissões, mantendo o réu em confinamento por um período de dias mesmo sem provas. De modo geral, conclui-se que com todo esse sistema duro do país, mesmo com alguns protestos recorrentes, já é respeitado por grande parte dos habitantes. A autora utilizou uma outra visão desse assunto, desconstruindo para algo mais reflexivo, levantando algumas discussões e controvérsias, particularmente aos nipônicos.


Opinião.


Magnífico aprendizado em apenas um volume. Delicada e, ao mesmo tempo, apreensiva, consegue envolver os acontecimentos dos personagens, seus desapontamentos e traumas com uma competência excelente. Categorizado como um seinen, com ênfase na maturidade, destaca a ligação entre o casal de um jeito brilhante e cativante, além do ótimo desenvolvimento do elenco secundários. A lição que consegue passar com as adversidades pessoais de Juri e Yuu é tão nítida e sofredora, que é possível sentir junto a eles e esquecer detalhes essenciais do final, que proporcionará uma emoção inimaginável. Mostra como a mente do ser humano vai além das explicações lógicas e a depressão é uma prova concreta disto. A autora consegue aproveitar todos os assuntos em tão pouco tempo.


Finalização.


Uma leitura única, que compartilho de todo o meu coração. Ao mesmo tempo que envolve sentimentalmente, também ressalta alguns questionamentos. Uma pessoa pode ser digna de misericórdia após fazer algo tão brutal? Seu indulto é admissível? Sua vontade de viver negligenciada? O sofrimento do seu próximo pode ser tão quanto ou pior que o seu. Consegue se imaginar no caso dele? Watashi no Shiawase na Jikan te faz pensar um pouco a respeito.


Informações.


  • Volumes: 1;
  • Capítulos: 8;
  • Status: completo;
  • Publicação: 28/03/2008—22/08/2008;
  • Gêneros: drama, música, romance, slice of life e psicológico;
  • Autora: Sumomo Yumeka;
  • Artista: Sumomo Yumeka;
  • Serialização: Comic Bunch.

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