A obra-prima do simbolismo - Tenshi no Tamago


Olá, meus caros. Hoje, trago-lhes uma análise do filme Tenshi no Tamago, lançado em 1985, mas só ganhou uma boa recepção atualmente, sendo caracterizado pelo seu aspecto diferenciado de poucos diálogos, visual neogótico, sua trilha sonora exótica e narrativa subjetiva. Todos os atributos da obra a definem como única, desde os conteúdos de referência vanguardista até os elementos de influência artística na composição dos cenários, como o simbolismo. Bem, mencionarei os minuciosos detalhes e as cativantes particularidades dessa imersiva animação.


Introdução.


Em sua sinopse, é apresentado um mundo abandonado, onde Noé — literalmente, o herói bíblico citado nas religiões abraâmicas — não conseguiu encontrar a terra firme em seus dias no dilúvio. Nas trevas, repletas de estátuas humanas e fósseis animalescos, provavelmente, provenientes da arca, uma pequena menina vê-se perdida em uma cidade destroçada. A garota segue sua trajetória carregando um ovo escondido em seu vestido, protegendo-o com muito zelo constantemente, observando a paisagem urbana e mantendo-se através de garrafas d’água. Nos minutos iniciais, a narrativa é extremamente introspectiva, quase inexistente, sendo necessário observar atentamente as mensagens simbólicas repassadas pela atmosfera, como o jovem observando a embarcação esférica coberta de inumeráveis esculturas, similares às deusas, descendo os céus no prólogo. Após a aparição da menina, é mostrado o rapaz, carregando sempre consigo uma grande cruz em suas costas. O primeiro contato direto entre o casal principal é quando a garota mantém seu ovo vulnerável e, consequentemente, pego pelo homem, porém, ele sutilmente devolve à criança, dizendo: “Mantenha consigo as coisas preciosas ou você perderá”. Posteriormente, o jovem questiona de forma constante sobre o interior do ovo e o porquê de tanto cuidado. Aparentemente, a menina não soube responder precisamente, agindo com desconforto perante a pergunta. É possível entender sua fé, movida a amor, apego e afeição ao objetivo, mesmo não tendo uma explicação concreta disso; em resumo, a protagonista é descrita pela sua credulidade, enquanto o homem representa claramente a sua contraversão.


Pescadores.


A partir desse encontro, o moço resolve seguir a criança, sem nenhum motivo aparente. Em seguida, no centro da cidade destruída, os dois se deparam com pescadores, agindo como guerrilheiros e correndo, desesperadamente, atrás de sombras, semelhantes a grandiosos peixes da classe celacantos. A menina, assustada com a situação, diz que à medida que as sombras nadavam pela metrópole, mais os homens persistiam na caçada. No meu ponto de vista, interpretei como a humanidade persegue cegamente um objetivo ilusório somente como justificativa para batalhar ou ganhar algum sentimento egocêntrico, fundamentado em um status na hierarquia necessária para a sociedade. Também é viável conjecturar como a tentativa de agarrar algo destituído de matéria, demonstrando a limitação dos homens e sua aflição na busca por transcendência. Isso resulta em um processo destrutivo, como pôde-se reparar no estado da cidade após a “pesca”. Outra ideia é que os peixes simbolizam demônios mantendo os homens aprisionados em seus vícios e medos terrenos, com a perseverança inútil de tentar fisgá-los. Repetindo, essas são as minhas compreensões, sintam-se livres para discordar, se quiserem.


Basílica.


Seguidamente, os protagonistas se retiram do recinto e partem para uma igreja, como é subtendido à primeira vista. Nessa parte, vale ressaltar que é o início das cenas mais carregadas de simbologias bíblicas que, posteriormente, explorarei em um tópico específico. Continuando, o casal encontra na basílica a ilustração de uma árvore em um pilar, recordando o mancebo de uma vegetação semelhante que dava suporte para o desenvolvimento de um grande ovo contendo um pássaro entorpecido — é possível observar nas primeiras imagens do filme. Isso pode ser entendido como uma alusão ao desenvolvimento espiritual, em que esses pássaros, especificamente, são uma alegoria aos anjos, pela semelhança com as asas. A árvore da vida seria uma insinuação à existência da teologia cristã. Em seguida, tanto a menina quanto o moçoilo interrogam-se sobre o seus antecedentes, utilizando a narrativa do dilúvio de Gênesis como base, dando destaque, em especial, na pomba com a folha de oliveira (explicarei mais à frente). Com as inquietantes dúvidas sobre suas existências, o casal acha uma carcaça de um leviatã, provocando um abalo no rapaz, enquanto a menina, entusiasmada, acreditava na existência da ave com critério na ossada e revela sua meta: chocar o ovo que carrega consigo, até devolvê-lo ao “pássaro” (referente à ossatura avistada).


Final.


Após esse evento, os dois procuram abrigo para se protegerem de uma torrencial chuva. Na cobertura, o homem começa a perguntar sobre o interior do ovo novamente, mas rebatendo todas as respostas da garota. Logo depois da criança dormir, o jovem leva o precioso objeto consigo e o quebra com sua cruz, porém, dentro não havia absolutamente nada. Quando a menina acorda, entra em uma profunda angústia vendo os fragmentos do ovo e corre pela floresta desnorteadamente, até cair em um precipício. Enquanto mergulhava, em contato com a água, ela se torna uma mulher e libera uma profunda respiração final, com as bolhas produzidas convertendo-se em ovos na superfície. Após essa cena, o rapaz vaga pela costa, rodeado de penas brancas, assistindo a embarcação esférica coberta de inumeráveis esculturas, como dito no começo, só que, dessa vez, com a nova figura da menina acariciando o ovo no colo. Assim, a tela se afasta lentamente, tendo uma visão geral de todo o litoral.


Hipóteses.


Admito que o final, em primeira impressão, pode ser um tanto confuso, porém, é possível interpretar como se a fé e a crença no intangível tenha uma separação com aquele mundo turbulento. A garota, apartando-se aos céus junto às outras estátuas divinas, como se houvesse a necessidade de libertação das amarras do materialismo que limitavam a transcendência psíquica. A menina seria a espiritualidade não evoluída e sua transformação em adulta seria seu crescimento no sentido metafísico. Enquanto, na quebra do ovo pela cruz, assemelhada à figura de Cristo, seria a libertação da entidade material e leviana, na perspectiva filosófica. A esférica embarcação retrataria o Deus cristão e sua ideia de onisciência, com uma forma de olho gigante, e suas estátuas as almas sublimes na sintonia divina, tanto que a menina é vista no final junto a elas quando chega no ápice do anímico. Assim, o homem seria Jesus auxiliando os espíritos a seguirem a trajetória da purificação, no caso a garota e o ovo. Outra especulação é que o ovo representa uma nova vida e o lugar onde os habitantes estão presentes é uma gigantesca arca estática ao solo. Quando o homem destrói o objetivo pode ser uma ideia que todos os esforços, referentes aos cuidados da menina, são sujeitos ao fracasso. Uma insinuação que a ideologia é algo vazio e intangível, a desmerecendo nessa suposição. Bem, essa característica indecifrável do filme que é seu charme, com um incontável número de teorias para tentarem interpretar definitivamente o sentido de Tenshi no Tamago.


Personagens.


Os personagens sem nome, tanto a menina quanto o rapaz, são interessantes e, basicamente, simples, funcionando na fluidez da narrativa de forma direta ao espectador, porém, ainda hermética quando se compreende com um olhar transcendente. O mistério provocado pela ignorância sobre seus passados instiga a moldagem subjetiva na visão do espectador, através de sua natureza recôndita. É possível reparar no incômodo frequente em relação às memórias perdidas, como ocorre no diálogo dentro da igreja, mostrando um lado humano e, sugestivamente, um fator necessário para interpretação integral do contexto.


O rapaz diz:

— Já vi uma árvore como essa antes...

— Quando?

— Há tanto tempo que já me esqueci... As nuvens soam como se fluíssem através do céu... O horizonte, negro como a noite... Desta escuridão nasceu uma grande árvore. Ela sugou a vida do planeta. Pulsando como vida, cresceu ainda mais... como se quisesse agarrar algo. Dentro de um ovo... continua a dormir, o grande pássaro...

— O que tem o pássaro? Onde está ele?

— Está aqui mesmo agora... ainda sonhando.

— Sonhando? Que tipos de sonhos tem um pássaro?

— O que está dentro desse ovo? Ainda não pode me dizer?


[...]


A própria menina mantém uma imagem semelhante à Virgem Maria, com seu vestido simulando a gravidez, dando a ideia da formação de uma nova vida, com sua inocência e virgindade perante a todos os acontecimentos. No geral, o casal se comporta de forma genuína, principalmente a criança inocente e frágil, emanando uma suavidade reconfortante, a qual é contraditória com a atmosfera sombria da animação, servindo para equilibrar a melancolia e variar levemente as extremidades de tons da obra.


Trilha sonora.


Um ponto indiscutível é a excelente produção sonora do filme, mesmo que ele seja absurdamente silencioso, contando somente com os sons ambientes. Porém, isso auxilia na criação de um impacto e diferencial que transmite o clima de desolação de toda a obra. Vale ressaltar as composições alternadas entre orquestras, constituídas de um coro excepcional, e os instrumentos clássicos encaixando-se perfeitamente nas cenas, com um aspecto triste e caprichoso. Uma disparidade com os breves ruídos metálicos gerados no ambiente depressivo. Sinceramente, a música é de uma estupenda genialidade, chegando a arrepiar os ouvintes. Admiro bastante o trabalho minucioso que Yoshihiro Kanno teve, com o uso de diversos sons distintos para empregar a sensação adequada ao caráter do filme.


Ambientação.


Em sua parte técnica é possível reparar o contraste constante entre o claro e o escuro, mantendo a impressão sombria em todo o filme, além do permanente estado de crepúsculo das cenas. Esse fator incomoda um pouco, pois não permite que alguns detalhes visuais da obra sejam vistos evidentemente, caso estejam assistindo com uma baixa resolução. No geral, o filme tem uma boa animação para sua época, mesmo com uma grande quantidade de cenas estáticas, as quais podem ter sido utilizadas com a mesma função dos momentos silenciosos da trilha sonora: aumentar a sensação de suspense e impenetrabilidade. O uso da paleta de cor cinza também é utilizada para passar a impressão de mecanização e artificialismo àquele mundo. Os designs diferenciados dos personagens, em destaque o cabelo branco da menina, são minuciosamente trabalhados. Suas expressões ímpares, as técnicas experimentais das cores e os movimentos das águas são de propriedade esmerada. Pode-se dizer que essa obra é uma pintura animada, contendo artifícios da arte medieval e religiosa, além de dar um destaque especial para a iluminação e alto-relevo do cenário e nas estátuas europeias.


Simbolismo artístico.


É possível reparar a influência com o simbolismo nos cenário de Tenshi no Tamago, sendo que as características do movimento artístico são presentes claramente no filme. Posso citar como exemplos, a ênfase no imaginário e subjetivo, o caráter individualista, a estética marcada pela musicalidade (em especial, com a belíssima trilha sonora), o uso da intuição em vez da razão, interesse pelo inconsciente e subconsciente, o transcendentalismo e antimaterialismo. São comuns os recursos linguísticos que tornam o enredo mais expressivo, esteticista, e o apelo ao metafísico, com a abordagem ao mundo espiritual. Os poetas simbolistas são pessimistas e valorizam o mistério e o soturno, como é semelhante à aparência da animação. A estrela central, uma gigantesca espécie de máquina similar a um globo ocular e símbolo da religião local, é uma dentre as figuras simbólicas do filme. Se comparar, há uma influência com a pintura The Balloon de Odilon Redon, um dos principais artistas do simbolismo, utilizando uma linguagem particular e original.


Simbolismo bíblico.


No decorrer da análise, é notável a constante utilização da simbologia bíblica nas breves falas e nos destaques pelo cenário. Na verdade, toda a narrativa gira em torno da ideia cristã, como já citei anteriormente no tópico acima. Desde o mundo pós-apocalíptico, até as pequenas incógnitas carregadas de significados, como os peixes, as aves e águas. Essas últimas são coletadas pela menina em garrafas e depositadas em sua morada, semelhante a uma arca (referência a Noé). A Terra que foi tomada pelas águas, com o objetivo de purificação, tem essa exata proposta no filme. Outra visão é entender a água como espírito naquele mundo submerso, tendo ligação com o batismo, na aceitação da espiritualidade, ou no sentido de libertação da alma. Vale ressaltar que a própria arca tem um forte simbolismo de confronto direto contra o mal. O pássaro fossilizado também possui envolvimento com a pomba branca, carregando consigo a folha de oliveira da história de Noé, sendo que no filme ela acaba se perdendo e morrendo no meio do caminho. Existe a interpretação que o pássaro é o ser humano esquecendo do seu real propósito e caindo nas trevas, sem encontrar a realização, como o fóssil encontrado. Foi dito diversas teorias e, em sua maioria, com coligação teológica, baseada no meu ponto de vista. Os pescadores, os significados do final, fundamentados na quebra do ovo e as atitudes dos personagens, em geral, tiveram uma acepção cristã. Ainda citarei mais adiante outras interpretações, de um modo geral. Neste subtópico, estão a assimilação das falas do protagonista masculino na basílica, as quais considero a referência mais direta do filme, com os versículos bíblicos. No tópico dos significados, abordarei novamente esta parte e explicarei a minha compreensão com base nisto.


O rapaz diz:

— “Destruirei, de sobre a face da terra... desde o homem até ao animal, até o réptil e até à ave dos céus; porque me arrependi de os haver feito.”


”E disse o Senhor: Destruirei, de sobre a face da terra, o homem que criei, desde o homem até ao animal, até ao réptil, e até à ave dos céus; porque me arrependo de os haver feito.”

Gênesis 6:7.


— “Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz.”


”Porque, passados ainda sete dias, farei chover sobre a terra quarenta dias e quarenta noites; e desfarei de sobre a face da terra toda a substância que fiz.”

Gênesis 7:4.


— “E aconteceu que, passado sete dias, vieram sobre a terra as águas do dilúvio.”


“E aconteceu que, passado sete dias, vieram sobre a terra as águas do dilúvio.”

Gênesis 7:10.


— “Naquele dia, romperam-se as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram.”


”No ano seiscentos da vida de Noé, no mês segundo, aos dezessete dias do mês, naquele mesmo dia se romperam todas as fontes do grande abismo, e as janelas dos céus se abriram.”

Gênesis 7:11.


— “Houve chuva sobre a terra quarenta dias e quarenta noites. Cresceram as águas e levantaram a arca, e ela se elevou sobre a terra.”


”E esteve o dilúvio quarenta dias sobre a terra, e cresceram as águas, e levantaram a arca, e ela se elevou sobre a terra.”

Gênesis 7:17.


— “Expirou toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de gado, feras... e de todo o réptil que se arrasta sobre a terra, e de todo homem.”


”E expirou toda a carne que se movia sobre a terra, tanto de ave como de gado e de feras, e de todo o réptil que se roja sobre a terra, e de todo o homem.”

Gênesis 7:21.


— “Tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em seus narizes, tudo o que havia no seco, morreu.”


”Tudo o que tinha fôlego de espírito de vida em seus narizes, tudo o que havia no seco, morreu.”

Gênesis 7:22.


— “Apenas ele e os que estavam com ele na arca sobreviveram.”


“Assim foi desfeita toda a substância que havia sobre a face da terra, desde o homem até ao animal, até ao réptil, até à ave dos céus; e foram extintos da terra: e ficou somente Noé, e os que com ele estavam na arca.”

Gênesis 7:23.


Palavras do autor.


Quando questionado sobre as diversas interpretações enigmáticas passadas pela animação, o diretor respondia simplesmente que todo o contexto era pôr uma compreensão subjetiva no espectador, dando, assim, um brilho e diferencial intrigante ao filme. Acredito que essa finalidade em relação às mensagens traz uma instigação excitante para a criação de teorias ou buscas por um entendimento certeiro, visando a plena ideia do roteiro. Porém mais a fundo, Oshii comentou que a base utilizada em Tenshi no Tamago foi uma história contada pela sua mãe na infância, que uma mulher nasce com um ovo em sua barriga desde o momento do seu nascimento. Também afirma: ”Esse trabalho pode ser uma antítese à emoção do herói principal que seguiria o roteiro. Já tentei focar somente na apreciação da expressão animada em vez da história, mas me desagradei com o resultado. Prefiro continuar dando uma pequena impressão de sustentação à tensão nas minhas obras. O ovo é como um sonho, nunca revelando a realidade sem ser quebrado, no entanto, o fato que as bolhas se transformaram em ovos nas cenas finais foi com o intuito de representar a salvação e esperança. As águas e os peixes no cenário foram influenciados por uma variedade de motivos, misturados com delírios pessoais diários.”


Minha visão.


Minha modesta suposição é que houve a utilização da própria experiência religiosa do diretor para passar suas desilusões em Tenshi no Tamago. Há um rumor na internet que Oshii, inicialmente, optou por seguir a vida cristã estudando em um seminário com intuito de tornar-se um padre, mas resolveu abandonar a idealização e trilhar a carreia de diretor. Sua justificativa foi a adquirição de uma visão cética sobre os ensinamentos bíblicos e suas crenças, não gostando de aprofundar-se no assunto quando interrogado. Porém, seu tempo na vocação sacerdotal deu gabarito a ele para abordar temas teológicos com outras finalidades. Quando intercalado com o filme, é possível compreender através dos breves diálogos entre a menina e o homem perguntando sobre o que teria no interior do ovo; a fé da garota representa o pensamento inicial do diretor, logo após, suas contradições, figuradas pelo homem. Observe a conversa entre eles:


Ele fala:

— Pode ouvir algo?

— Sim. Um som suave de respiração.

— Isso é o som do seu próprio pulmão.

— E som de asas... Deve estar sonhando em voar pelo céu.

— Esse é o som do vento lá fora.

— Muito em breve. Agora está aqui, sonhando... mas vou lhe mostrar... muito em breve... Então, até lá, fique aqui... porque aqui não chove. É quente...


Também é possível perceber que, no momento em que o casal permanece na igreja, o rapaz cita um versículo de Gêneses, referente ao dilúvio. Acredito que esse momento representa a desorientação de Mamoru em estar abandonado por Deus, figurada pelo mesmo sentimento do protagonista masculino.


— Imagino há quanto tempo você está aqui... Tantos dias quanto essas garrafas aqui? Também me esqueci de onde vim. E para onde vou. Talvez nunca soubesse.

— Você vai embora?


[...]


— Ele enviou um pássaro para ver se as águas já tinham minguado da face da Terra. O pássaro nunca retornou. Onde o pássaro pousou? Ou talvez tenha se enfraquecido e tenha sido engolido pelas águas. Ninguém poderia saber. Então continuaram a esperar por seu retorno... Continuaram a esperar... Se cansaram de esperar... Esqueceram que soltaram um pássaro; esqueceram até mesmo que houve um pássaro. Esqueceram que houve um mundo submerso sob as águas. Esqueceram de onde vieram... há quanto tempo estiveram ali... o que iriam fazer... Foi há tanto tempo que as criaturas se tornaram pedras. O pássaro que vi, não consigo me lembrar onde ou quando, foi há tanto tempo... Talvez tenha sido um sonho. Talvez você e eu sejamos como aqueles peixes: meramente memórias de alguém morto há muito tempo. Talvez não haja nada neste mundo, nada além de chuva. Talvez não houvesse pássaro desde o início. 


O pássaro citado no contexto seria as expectativas de Oshii antes de perder a sua fé, indagando o porquê ele criou uma confiança incipiente se não obteve respostas, como a ave que nunca retornou. As ideias, no geral, passam a perspectiva cética adquirida por Oshii, que, ao mesmo tempo, demostra com exatidão seu pensamento incrédulo, questiona-se o porquê de estar passando por isso. Talvez ele estivesse vivendo em alguma crise interna envolvendo a religião e após uma frustração, concretizou seu novo ângulo, mesmo que negasse a interpretação objetiva. 


Observação: mesmo que exista esse rumor sobre o passado de Oshii, ele mesmo confirma que perdeu a fé no cristianismo, dizendo que o filme parece um desespero existencial causado pelo colapso do sistema de crenças e desconhece seu real significado.


Opinião.


Tenshi no Tamago é uma obra absurdamente excêntrica e surrealista, com uma excelente parte técnica e artística, mas carecendo em sua narrativa, praticamente inexistente. Esse filme foge completamente dos parâmetros normais que forjam uma história, no sentido de personagens, mundo, motivações e um enredo coerente. Tudo inexplorado e desprovido de consistência, além da trama com uma finalização nebulosa. Admito que talvez minhas especulações contradizem o verdadeiro sentido passado, ou até mesmo quimérico. Já que, mesmo me inteirando na mídia dos animes e mangás, haverá signos, símbolos e alegorias da cultura nipônica que um espectador ocidental dificilmente perceberia. No geral, não importando a origem do público, esse filme tem uma imagem ambígua e oferece uma conclusão pessoal para cada indivíduo. As ideias provocadas pelo filme não possuem existência sem a capacidade do espectador imaginá-las, fazendo uso dos sentimentos, imagens e dos conhecimentos já adquiridos, e tornando-os em uma mensagem criada no subconsciente, com um enraizamento coletivo no significado cultural e religioso do público específico.


Finalização.


Honestamente, esse não é filme que agradará qualquer um, porém, vale a pena dar uma conferida, já que possui um tempo relativamente mínimo e por ser uma experiência artística de excepcional qualidade, ademais com seu emaranhado de simbologias. Não é uma obra que possa ser categorizada certamente em um gênero específico, coloco ela como um exercício mental a ser refletido e contemplado, ou uma arte sem-par e atemporal, para ser lembrada pelas descendências.


”Um filme de fantasia e ciência melancólica, assustadora e poética, e, pelo menos, para os telespectadores que não são japoneses, muito enigmático.”

Donald C Willis, em seu livro Horror and Science Fiction IV.


”Uma obra-prima inicial da produção de filmes simbólicos. A sua beleza surreal e ritmo lento criaram uma atmosfera Zen, ao contrário de qualquer anime.”

Helen McCarthy, autora britânica de livros com referências aos animes.


Informações.


  • Tipo: OVA;
  • Lançamento: 15/12/1985;
  • Gêneros: fantasia e drama;
  • Duração: 1 hora e 11 minutos;
  • Estúdios: Studio Deen e Tokuma Shoten;
  • Direção: Mamoru Oshii; 
  • Roteiro: Mamoru Oshii e Yoshitaka Amano;
  • Produção: Hiroshi Hasegawa, Masao Kobayashi, Mitsunori Miura e Yutaka Wada; 
  • ➢ Classificação: +13.

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