O apocalipse analógico - Eden: It's an Endless World!
Olá, meus caros! Desta vez, trago-lhes um mangá aclamado, o qual está à venda no Brasil (completo e por um preço acessível): Eden: It's an Endless World!. Contendo uma história pós-apocalíptica, o enredo se desenvolve gradualmente abordando diversos assuntos distintos, desde as atitudes humanas, desavenças entre os cartéis do narcotráficos, às lutas dos países no ranking econômico, todos relacionados com a trama principal. Aventurem-se comigo neste excepcional conto que, em minha modesta opinião, merecia um reconhecimento maior, não limitando-se somente a um público reservado. Aviso-lhes de antemão que o mangá contém cenas de violência explícita e conteúdo sexual não aconselháveis para menores de idade. Observação: caso um de vocês seja fã de Akira ou Nausicaä of the Valley of the Wind, provavelmente gostará bastante desta recomendação.
Quarenta anos à frente do nosso tempo, o século está tomado por uma pandemia generalizada, provocada pelo vírus Closure, uma peste capaz de enrijecer e derreter os órgãos internos. Com a eliminação de quinze por cento da população mundial e paralisia/desfiguração de outros seres, uma organização secreta e monopolista, chamada Federação Propater, desapossa a ONU e toma controle de grande parte do planeta. A história se inicia focando em Ennoia e Hannah convivendo no Eden, uma ilha remota onde os jovens possuem uma imunidade ao vírus e acreditam ser os últimos humanos saudáveis, tendo por única companhia o cientista Morris, um homem vítima da contaminação. Porém, quando o grupo é atacado pela corporação, o casal consegue escapar com a ajuda do robô Querubim e avançar em um caminho no ambiente conflituoso. Após vinte anos, Ennoia se torna responsável pelo cartel de drogas mais poderoso da América do Sul, auxiliando secretamente seu filho, Elijah Ballard, que segue com a companhia do robô e de mercenários Nomad (alguns deles ex-agentes da organização) para resgatar sua mãe, Hannah, e irmã que foram sequestradas pela Propater.
Inicialmente, fraco e inseguro, Elijah, filho do famoso narcotraficante Ennoia Ballard, sofre as consequências das ondas de problemas causadas pelo conflito de seu pai com a Propater. Nos primeiros capítulos, o rapaz precisa sobreviver sozinho na terra pós-apocalíptica distópica somente na companhia de Querubim, após o rapto repentino de sua família. Nesse trajeto, Elijah encontra com mercenários bem armados pelo caminho, no qual é obrigado a ajuntar-se ao bando. Porém, no decorrer dos arcos, o garoto ingênuo aprende sobre a dureza do mundo, repleto de violência e interesse, onde é necessário tornar-se cruel para subsistir. Elijah é um personagem completamente explorado e bem evoluído, introduzindo a impressão de um menino na puberdade tentando manter-se sem muita noção ou preparo, e com os princípios morais em mente. Na fase adulta, o protagonista aprende com suas ações nos constantes encontros e perdas de sua trajetória, fazendo-o moldar a sua personalidade.
Sophia Theodores.
Uma engenheira genial, porém, sofrendo desde sua mocidade com diversos distúrbios psicológicos que deixaram notáveis sequelas. Sempre costumou relacionar-se sexualmente com inúmeros homens por curtos períodos de tempo, onde, dessas transições, ocasionaram filhos que, posteriormente, foram abandonados. Após um acidente, Sophia teve seu cérebro, medula espinhal e coração transportados para um corpo mecânico com aparência púbere, no entanto, sua verdadeira idade é de quarenta e um anos. Age com maturidade e possui um instinto maternal em relação a seus companheiros, além de ser uma hacker habilidosa nas batalhas contra a Propater. A ciborgue sofre um extremo aprofundamento psíquico em seu caráter disturbado e problemático, também obtendo ressentimento de seus erros passados, mas dizendo acreditar na religiosidade e visando em seu ponto de vista como ideologia. Na minha opinião, com seu design chamativo, é uma heroína com bastante destaque na série, ganhando facilmente a simpatia do público, pelo menos na primeira impressão, especificamente.
Kenji Asai.
Um homem originado do Japão que mantém um comportamento frio e sem emoções, beirando a sociopatia. Kenji se destaca no combate corpo a corpo, matando facilmente os soldados da Propater e não dando nenhum sinal de remorço, tanto na eliminação de homens quanto de mulheres. No avançar do enredo, é descoberto sua posição social como irmão de um chefe de baixo nível da Yakuza e o interesse da organização no intuito de utilizá-lo. O personagem transparece, através de flashbacks, complexidade nas motivações de suas práticas, impulsionadas pelas necessidades controvérsias e emocionais. Exemplos disso são seus ataques de loucura em atacar os próprios companheiros de equipe ou não preocupar-se com o falecimento dos próximos, pensando na substituição de cargos como meio mais prático.
Traços.
Suas imagens são detalhadas e extremamente ricas, capturando o estilo japonês típico no desenho, principalmente na estética dos personagens, anatomicamente bem feitos, e das paisagens, em que o artista não mede esforços para passar com exatidão o prazer da leitura. Uma beleza realista que é planejada tanto no posicionamento dos balões quanto no enquadramento das cenas movimentadas, com pugnas, explosões e sangramentos. Uma mistura de traços da década de 80 e 90, destacando-se nas arquiteturas complicadas e pequenas mensagens avulsas no enredo. Uma falha do autor seria na repetição dos cenários de luta e a utilização excessiva de tons cinzas, deixando a obra demasiadamente clara, incomodando, principalmente, quando o ambiente anoitece. Vale ressaltar que há evolução no trabalho do criador, afinal, a obra possui uma longa trajetória até a sua finalização, dando, assim, um período para o Hiroki aprimorar-se.
Gêneros.
A ação é constante, variando desde combates físicos, com facas e artes marciais, até o uso de máquinas militares de alta qualidade, assemelhando-se com Gundam, em que as cenas brutais são colocadas de forma gratuita somente para concretizar o clima tenebroso e factual existente em Eden. Sucessivamente, o drama se sustenta no aprofundamento dos personagens e na relação entre o elenco, que é deteriorado aos poucos pela depressão e desesperança no âmbito áspero, em que há a obrigatoriedade de evolução psicológica para sobreviver. A ficção científica, com toda certeza, é o brilho de Eden, não brincando com especulações selvagens e fantasiosas, o autor consegue transparecer um futuro não tão distantes com hipóteses coincidentes com nosso cenário sociopolítico. Nos primeiros capítulos, é passado o incidente com a Forças de Proteção da ONU, em 1992, durante a Guerra da Iugoslávia, para realização de ações solidárias e visando o bem-estar dos civis. Porém, isso é somente uma das especulações criadas por Endo, verdadeiras premonições com o intuito de denotar a veracidade da obra. Outro exemplo é a luta civil em estado alarmante do povo Uigur, uma minoria muçulmana, a qual, atualmente, vive desavenças com a China mediante a motivos territoriais e culturais. Até o artifício do vírus evoluído é realista, se comparamos as constantes epidemias devastadoras ocorridas em nossa história.
Individualidade.
Como citei anteriormente, um fator satisfatório em Eden é a aplicação nítida da política internacional, desde o leste europeu à América do Sul, retratando problemas decorrentes, como a prostituição, pobreza e o tráfico dominante entre as nações subdesenvolvidas. Também há as guerras do Oriente Médio, geradas por fundamentos étnicos e religiosos, as quais são exploradas abertamente, englobando a OTAN no controle das demais potências. A representação da hipocrisia global pela falsa distribuição de recursos entre os países menores, à mercê das guerrilhas frequentes, e o controle de uma considerável renda a um grupo restrito de pessoas, são escancarados para causar uma sensibilidade e comoção ao legente. Nada é minimizado, todos os aspectos negativos são transferidos fielmente, com o propósito de diferenciar-se e chamar atenção no assunto em que o autor estabelece sua crítica pessoal sem restrições. Ele é honesto com a sua obra e materializa a sua opinião, baseado na sua perspectiva, mas, claramente, tendo como base alguns estudos para definir uma explicação e não brechas. O mangá é tão límpido que consegue fazer o público pensar e questionar-se junto aos personagens em momentos de indecisões ou autorreflexões, como o que seria moralmente correto e se a comodidade está acima dos conceitos básicos da humanidade. Esse quesito é deveras admirável, pois poucos trazem esta variedade de conteúdo, sendo que há uma abordagem em física, química, geografia, movimento revolucionário, terrorismo, reconstrução, epidemia, genocídio, entre outros.
Analogias.
Um ponto intrigante, no qual a maioria dos leitores, provavelmente, deixou passar despercebido, é a utilização de analogias referentes ao Gnosticismo. Um sistema religioso desenvolvido nos primeiros séculos e resultado da combinação do Judaísmo, Cristianismo e as filosofias religiosas orientais. A doutrina tem seus próprios versículos e convicções de formato sincrético e enigmático, com influências do neoplatonismo e dos pitagóricos. O mangá contém intervenções da ideologia tanto na criação do elenco quanto no enredo geral, com a ideia do mundo corrompido necessitar de um ambiente melhor, introduzindo-se o vírus Closure e seguindo para o Disclosure, sendo a salvação.
➤ Ennoa é um aspecto da mente divina, interpretado como a manifestação do certo em contradição com Ofis, que seria a serpente. Os dois seriam princípios imutáveis e eternos, sempre coexistindo juntos. No mangá, o protagonista não possui essa caracterização específica, mas mantém a representação de mente inaugural no contexto, além de que, mesmo possuindo um império ilegal, atua contra a organização abarcadora, assumindo o papel de Ofis também. Assim, o personagem é a definição de bem e mal personificada.
➤ Aenos são entidades enviadas de deus, evidenciando atributos mentais ou espirituais, importantes na iniciação e criação da humanidade, da alma e do corpo. No mangá, retratam-se como robôs-mutantes, verdadeiras máquinas de guerra, as quais podem ser consideradas ferramentas essenciais para a conclusão dos planos em relação à raça humana, à mercê de quem os controla.
➤ Outros exemplos de similaridade com a doutrina: Hannah, Eden, Nomad e Querubim.
➤ Gnosticismo (surgido de Gnose, termo que significa “conhecimento”) é a base da Federação Propater, atuando com opressão e inferiorizando civis que vivem na ignorância. Se houver uma interpretação ampla, encontramos referência sobre o agnosticismo, descrita como a falta de crença na divindade e incompreensão sobre a sabedoria religiosa, que seria o inverso da ideologia citada previamente.
O agnóstico acredita na incapacidade humana para provar a existência de suas convicções espirituais, ligando-se aos perseguidos pela agressiva Propater na eliminação dos opositores, sendo uma analogia aos extremistas na intolerância contra os infiéis de sua crença.
Mercado de Mangás.
O monopólio na distribuição de mangás nas bancas ocasiona uma baixa qualidade no controle em cada região do país, como discutido no Anime Friends 2015, fazendo os materiais especializados serem vendidos em locais específicos, limitando o alcance e disponibilidade de preço. A série Eden, mesmo não possuindo uma fama trivial e um número mínimo de capítulos, tem sua importância, pois se encaixou como experimento para testar o nível de sucesso deste sci-fi com caráter mediano. Assim, além de aumentar a repercussão entre o público variado, ofereceu um lucro favorável que revigorou o mercado brasileiro de mangás.
Cronologia.
➤ 2060 - Descoberta do vírus causador da pandemia na África do Sul, onde somente após seis anos a OMS envia alarmes em diversos acessos da mídia para declarar estado de emergência. Depois de três anos, nas Ilhas Virgens dos Estados Unidos, um grupo de pesquisadores encarregados no estudo da doença isolam-se do mundo exterior.
➤ 2070 - Nasce Ennoia Ballard e Hannah Mayall, os primeiros protagonistas. Cinco anos depois, Querubim, o robô de alta tecnologia e poder bélico, fica descontrolado e destrói o laboratório de pesquisas, fazendo Marris, Ennoia e Hannah conviverem em uma residência despedaçada.
➤ 2086 - Quinze por cento da população mundial é dizimada e a ONU perde sua estabilidade com o estabelecimento da Propater, objetivando o monopólio mundial para construir uma nova ordem. O esquadrão da organização enviado a fim de invadir o laboratório é dizimado por Querubim, pelo comando de Ennoia. Na operação, o pai do rapaz, Chris Ballard, morre, porém, sem nenhuma comoção do filho. Pouco depois, Morris também falece, enquanto Ennoia e Hannah saem do Eden para tornarem-se refugiados no Golfo do Panamá. Após um ano, o casal é aceito em Porto Callao.
➤ 2093 - Nasce Elijah Ballard e, três anos depois, nasce sua irmã mais nova, Mana Ballard.
➤ 2108 - Elijah cruza a fronteira entre a Colômbia e Peru, tendo seu primeiro encontro com os guerrilheiros Nomads, junto com as forças de resistência da Federação Propater (início do mangá). Depois do timeskip de quatro anos, a estória prossegue (capítulo sessenta e quatro, volume dez).
Opinião.
Uma arte incrível com uma história maravilhosa, não sendo precipitado dizer que está entre as melhores caracterizações pós-apocalípticas que é possível encontrar nesta vasta imensidão de quadrinhos. Eden é muito mais que somente uma citação de “fim do mundo” mesclada à ficção científica barata. Seu ponto forte é a geopolítica, mas ainda há a grande quantidade de dilemas filosóficos e conspiratórios, os quais levam a uma fascinação, precisando de tempo para elaborar algo tão consistente e eclético. No primeiro capítulo, já é ostensivo temas polêmicos, como religião, homossexualismo e política, ligados aos conceitos de biologia e existencialismo. Seus personagem carismáticos e desconstruções genuínas, atreladas a uma maturidade no enredo, fazem esse mangá uma peça incrível.
Finalização.
Essa foi a minha recomendação, a qual não aconselho para pessoas sensíveis pela quantidade de violência e sexualidade, que pode incomodar pessoalmente terceiros. É bom ressaltar que o protagonismo é ausente no elenco, por conseguinte, qualquer um está capaz de sofrer algo ou ser retirado sem cerimônias do contexto. Há ainda as incontáveis mensagens simbólicas e metafóricas nos constantes diálogos massivos, que são compensados com enfrentamentos excitantes. Eden é de tudo um pouco, com cada elemento incorporado na história e cheio de toques transcendentes, trazendo uma experimentação elaborada e tridimensional ao leitor, em que se pode tirar um proveito indispensável.
Os que estão preparados para uma experiência única, contanto que tenham estômagos fortes e mentes abertas, leiam Eden: It's an Endless World!.
Informações.
- Volumes: 18;
- Capítulos: 127;
- Status: completo;
- Publicação: 25/09/1997—25/06/2008;
- Demografia: seinen;
- Autor: Hiroki Endo;
- Artista: Hiroki Endo;
- Serialização: Afternoon.
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