Você já conhece Shūzō Oshimi?


Um mangaká conhecido por suas obras do gênero dramático, suspense e abordando questões psicológicas, éticas e morais, Shūzō Oshimi se destaca constantemente quando impõe seus pensamentos mais profundos em seus trabalhos bem elaborados, utilizando sua própria história de vida como inspiração. Suas produções já foram adaptadas para dramas de televisão, animes e filmes, mostrando sua competência e repercussão pela mídia japonesa.


Biografia.


Nascido em Kiryū, Ganma, Oshimi viveu seus dias até a maturidade, em um lugar calmo do interior de Kantō, podendo ser percebidas as extremas referências utilizadas em "Flowers of Evil". Também costumava frequentar lugares isolados e silenciosos, como a margem do rio, as escadas da escola e a livraria local, semelhante ao comportamento de alguns dos seus personagens. Sofrendo de gagueira em todo o seu segundo ano do colegial, Shūzō criou um posfácio sobre seu problema, desenvolvendo sua capacidade de ler emoções, expressões faciais e gestos humanos. Assim, foi quando Oshimi começou a criar interesse em desenhar feições dos personagens de desenhos animados, em que ele poderia se expressar sem precisar se preocupar com seu distúrbio, aumentando sua vontade de seguir a carreira de cartunista. Shūzō resolveu residir em Tóquio, capital do Japão, para alavancar seu sonho de virar um mangaká bem sucedido, onde permanece até os dias de hoje. Sua primeira estreia foi com o mangá Superfly, publicado pela Kodansha, empresa responsável pela distribuição da maioria de suas obras, na Gekkan Shōnen Magajin. Logo após, Oshimi continuou fazendo outros trabalhos, até ganharem adaptações em outros estilos de mídia, como "Drifting Net Café" em um drama de televisão, "The Flowers of Evil" em uma animação, e "Sweet Poolside" em um filme.


Nota: é possível reparar a representação da experiência de gagueira no período da adolescência de Shūzō em sua obra "Shino-chan wa Jibun no Namae ga Ienai", onde ele retrata a dificuldade de uma colegial com o distúrbio. O mangá não é muito conhecido, porém traz um grande apreço para os que se identificam, entre eles o próprio autor.


Influências.


Oshimi, desde sua infância, era um leitor compulsivo, costumava ler poemas modernistas de diversos autores, entre eles Sakutaro Hagiwara, considerado "o pai da poesia coloquial moderna no Japão", e Mitsuharu Kaneko, conhecido como uma figura antissistema durante a Segunda Guerra Mundial. Em suas obras, Shūzō recebeu influências de artistas surrealistas, como André Breton, Max Ernst e Paul Delvaux, como é possível perceber em alguns momentos de seus mangás para representar algum conflito psicológico dos personagens. Seus favoritos, entre os grandes nomes das artes plásticas, são Odilon Redon, um pintor reconhecido por seus movimentos pós-impressionista e simbolista, e Francisco Goya, do romantismo.  


Tradução do texto na imagem: "Note que o título de Redon foi deliberadamente vago e misterioso: The Eye Like a Strange Balloon Mounts Toward Infinity. A impressão (uma litografia) foi emitida como parte de uma série dedicada ao escritor americano Edgar Allan Poe, cujas curtas histórias assustadoras e poesias assombrosas eram mais populares na França do que nos Estados Unidos. Redon também dedicou outra série de impressões a Goya, a quem ele considerava percursor e tomou como fonte de inspiração."


Temas.

Os principais temas abordados por Oshimi refletem muito as realidades e situações enfrentadas no cotidiano pelos demais. Sua maestria de repassar isto em suas obras, toda a complexidade do conflito psicológico e as adversidades causadas pela influência do ambiente ao redor é magnífico. Além de repassar a visão da puberdade, os novos olhos para o mundo, as descobertas e decepções, tudo que traz uma sensação de nostalgia e identificação com o público. A abordagem da impureza, de certa forma polêmica, também é bastante discutida como restrição das colocações morais, passado através da visão espremida de um simples adolescente.


Personagens.


Na maioria de suas obras, é possível perceber como Oshimi utiliza constantemente personagens excêntricos, problemáticos e desajeitados, na fase da puberdade, variando entre os gêneros, as características físicas e posições sociais. O interessante é notar o desenvolvimento dos personagens principais, como dos secundários, no decorrer das histórias, passando por diversas situações, de certo modo até perturbadoras e desconfortáveis. Isso é mostrado nas superações, evoluções e nas mudanças de comportamentos no passar da vida de suas criações. Oshimi utiliza essa narrativa em suas obras de mais destaque, podendo reparar como seus personagens diversificam de personalidades, dos mais manipuladores, corajosos e imprudentes aos fracos, medrosos e facilmente influenciados. Todos esses atributos, como os próprios pensamentos mostrados ao leitor para o entendimento maior do personagem, trazem uma aproximação e reflexão com as verdadeiras situações ocorridas pelo público-alvo.


Traços.


Pelo decorrer da trajetória de Oshimi, posso dizer que observei uma grande evolução com o passar dos seus trabalhos. Traços simples, porém, cativantes e miraculosos, cenas que mostram de forma abstrata os verdadeiros pensamentos e situação desastrosas dos personagens, como dito anteriormente, uma grande influência de alguns artistas. De forma bela e exagerada, algumas vezes chegando a ser polêmica, Shūzō passa todos os seus sentimentos em seus trabalhos, de uma forma nítida e, para alguns, pouco compreendida. Seu jeito único de repassar as emoções, com suas verdadeiras obras de arte ocupando duas páginas inteiras nos mangás, Oshimi não mede esforços para se sentir realizado.


Mensagens.


Em seus demais trabalhos, suas mensagens em relação aos temas explorados pelo mangaká, como puberdade, perversão, inexperiência e curiosidade, são representados como experiências de vida e situações momentâneas que moldam a personalidade do indivíduo e refletem nas possibilidades de futuro. A adolescência é abordada como formadora de caráter e como o período de descoberta necessário para desenvolver o espírito curioso e vivo dentro do jovem. Mesmo com grandes polêmicas, Oshimi acredita que o desejo de mudança e liberdade de vontades são características predominantes em todos que sofrem constante repressão e preconceito. Por isso, Shūzō demonstra esses sentimentos humanos ocultados em seus trabalhos, mostrando tanto na perspectiva masculina quanto na feminina, a qual costuma admirar bastante, considerando como essencial para o desenvolvimento do mundo.


Aku no Hana.


  • Período: 2009—2014;
  • Capítulos: 58;
  • Status: finalizado;
  • Gêneros: drama, escolar, psicológico e romance;
  • Publicação: Kodansha;
  • Classificação: +16.

 

A história começa focando no cotidiano de Kasuga Takao, um simples colegial que ama ler livros, sendo seu favorito Baudelaire Les Fleurs du Mal. Ele vive seus dias normalmente, sempre observando Saeki Nanako, a popular da sala, considerada uma musa pura e sem defeitos. Em um dia, após o fim da aula, Takao resolve voltar à sala sozinho para buscar sua cópia de Les Fleurs du Mal que tinha esquecido. Chegando no local, ele se depara com o uniforme de educação física de Saeki e, em um ato imprudente, resolve levá-lo para casa, após ouvir alguns ruídos que poderiam levantar suspeitas. O roubo do uniforme se torna caso pela escola e todos estão à procura do tal pervertido. Enquanto isso, Takao está sendo sufocado com o peso da culpa e do medo de ser descoberto. A situação só piora quando Nakamura, a garota estranha e agressiva da sala, começa a persegui-lo, pois tinha presenciado toda a cena do roubo. Em vez de revelar a todos o verdadeiro culpado, a excêntrica garota resolve importunar o protagonista com missões e desafios, como admiração pelo "espírito pervertido" do próprio.


Análise.


Um mangá com uma sinopse totalmente diferenciada, que já induz a criar hipóteses e teorias de para onde caminha este tipo de enredo, afinal, com essa premissa, é comum esperar algo completamente novo ou mais um seguindo a linhagem genérica; porém, ele consegue surpreender, simplesmente por ter algo a mais, tendo uma base sólida do enredo geral. Sua história é toda forjada com o intuito de simular a visão de um adolescente em sua vida monótona, junto ao desejo de liberdade ou simplesmente fazer algo que para todos seria considerado "pervertido". Esse mangá consegue passar essa visão com um olhar maduro dos próprios personagens principais, no decorrer da história, observando suas ações passadas inconsequentes. Posso dizer que Aku no Hana é único, toda a série é focada no drama psicológico, passando a vida dos personagens por completo: suas evoluções, pensamentos e mudanças de objetivos. É possível compreendê-los, mesmo não concordando com suas atitudes ou até criando um sentimento de ódio por eles. A obra já está finalizada e seus últimos capítulos fecharam a história por completo. O problema é que a maioria que só soube da existência de Aku no Hana pelo anime não chegou a dar nem uma chance ao mangá, já que o estilo de animação exótica, que utiliza a técnica de rotoscopia, deu muita polêmica na época de seu lançamento, considerando-o desmerecido de ver e tendo as piores vendas para Blu-ray de todos os tempos.


Boku wa Mari no Naka.


  • Período: 2012—2016;
  • Capítulos: 80;
  • Status: finalizado;
  • Gêneros: psicológico, gender bender, drama, mistério e romance;
  • Publicação: Manga Action;
  • Classificação: +18.


A história começa a partir da perspectiva de Isao Komori, um jovem que desperdiça sua vida, somente jogando e se masturbando, considerado um hikikomori após largar a faculdade. Os únicos momentos que Isao procura sair de casa para algum contato social é para observar de longe uma bela estudante em uma loja de conveniências, porém nunca toma iniciativa para começar uma conversa. Até que em um dia, Isao acorda em um corpo diferente, justamente o da garota que ele mais observa, chamada Mari Yoshizaki. Assim, nosso protagonista precisa aprender a se adaptar em sua nova vida, escondendo a identidade e procurando a verdade deste fato curioso, principalmente o paradeiro da jovem.


Análise.


A história que aborda troca de corpos não é em nenhum momento levada para o lado cômico, como a maioria deste tema, seu gênero é todo focado no drama psicológico do personagem principal, tentando se adaptar ao novo corpo. Concentrado sempre na saúde mental, o mangá consegue passar todo o peso na mente confusa e perdida de Isao, havendo até cenas explícitas de nudez necessárias para tornar a obra mais real e palpável — representando a aproximação no íntimo do protagonista com seu corpo. Há um intenso desenvolvimento dos personagens secundários e seus conflitos na vida de Mari, revelando sutilmente peças do passado problemático dela. O mangá é realmente um diferencial desse estilo e consegue marcar de alguma forma, tanto que seus capítulos finais revelam um plot twist atrás do outro, aumentando cada vez mais o interesse do leitor. A quebra de expectativa é, no final, simplesmente inesperado, provavelmente longe de qualquer conclusão possível para resolver o mistério da obra. O mangá com "mudança de corpos" mais próximo da realidade; surpreendente, mas também um pouco decepcionante como tudo se resolve de uma forma tão vazia. Cabe a opinião pessoal do leitor dizer se é bom ou não. Provavelmente não é tão comum gostar inteiramente desse mangá, pois se passa entorno do psicológico do personagem e mostra tanto seus atributos positivos e negativos. No final, é possível perceber a simplicidade do enredo geral, uma quebra de expectativa para os que esperavam algo além disso, mas também a complexidade da mente humana.


Happiness.


  • Período: 20152019;
  • Capítulos: 50;
  • Status: finalizado;
  • Gêneros: drama, escolar e sobrenatural;
  • Publicação: Kodansha;
  • Classificação: +18.


A história parte de Makoto Okazaki, um jovem franzino que inicia sua vida no ensino médio já rodeado de intimidações dos "descolados da sala". Acostuma-se com a situação e decide viver seus dias como um alvo conformado e pervertido incubado, porém tudo muda quando ele, em seu caminho para casa, é atacado por uma pessoa que salta em sua direção e morde seu pescoço, bebendo com muito gosto o sangue do jovem. O atacante é nada menos que uma linda menina, que pergunta ao Makoto se ele possui o desejo de viver. Okazaki responde afirmando desesperadamente, o que causa uma mudança surreal em todo o seu cotidiano.


Análise.


Um mangá interessante que aborda vampiros com uma aparência jovial na vida do monótono Makoto. Na primeira impressão, a ideia do enredo parece simples e, de certo modo, genérica, mas pelo decorrer dos capítulos a história vai alavancando cada vez mais, dando uma grandíssima importância aos secundários. As reviravoltas também são surreais e surpreendentes, a maioria dos acontecimentos não são esperados, nem a utilização e desenvolvimento de certos personagens, que na primeira instância parecem somente como apoio ou para algum papel funcional. A maneira que a obra flui, pegando aspectos perturbadores, tudo na visão de um simples e frágil adolescente, é impressionante. O medo, a excitação, a necessidade de mudança, a insegurança, dentre tantos outros aspectos humanos desta idade, são representados nitidamente junto ao tema sobrenatural.


Outros trabalhos:

• Superfly - 2001;

• Midnight Paranoia Star, Mayonaka no Paranoia Sutā - 2003;

• Avant-Garde Yumeko, Abangyarudo Yumeko - 2003;

• Sweet Poolside - 2004;

• Devil Ecstasy - 2005–2006;

• Yūtai Nova - 2007–2008;

• Hyōryū Net Café, Hyōryū Netto Kafe - 2008–2011;

• Shino Can't Say Her own Name, Shino-chan wa Jibun no Namae ga Ienai - 2011–2012;

• A Trail of Blood, Chi no Wadachi - 2017.


Conclusão.

Na minha modesta opinião, um grande mangaká que merecia mais reconhecimento por suas admiráveis obras. Todas as suas pegadas e idealizações me encantaram de uma forma devastadora, trazendo sentimentos exorbitantes e desconexos. Em poucas páginas, ele soube incutir dentro do meu subconsciente suas mensagens e lições. Oshimi é extremamente talentoso e polêmico, me fascinando cada vez mais em cada lançamento de um trabalho diferente, que possui uma individualidade, mas ainda com as suas características, que já são uma assinatura do seu nome.

2 comentários:

  1. Excelente post!

    Estou a ler "Chi no Wadachi" e é arrepiante. Este mangaka é muito bom a provocar desconforto nos leitores, mas não há como negar a sua arte.

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    1. Obrigada pelo feedback! Chi no Wadachi realmente passa uma sensação desconfortante.

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